Numa visita aos escritórios da Radio Corporation of America (RCA Victor), em Nova York, em 1944, o jornalista e empresário Francisco de Assis Chateaubriand se deteve, intrigado, diante de um estranho equipamento. Nunca havia visto nada parecido em três décadas à frente dos Diários e Emissoras Associados, então o maior grupo de comunicação do Brasil. No salão onde eram expostas as novidades tecnológicas do setor, ele perguntou ao presidente da empresa, David Sarnoff, o que era aquilo. "É uma câmera de televisão. Falo de imagem eletrônica." Na época, apenas Estados Unidos, Inglaterra e França tinham emissoras de TV. Imediatamente, Chatô, como era apelidado, quis encomendar os equipamentos para formar a dele. "No Brasil? Isso não vai funcionar. Por que não investe em novos recursos para as suas rádios?", afirmou Sarnoff. A descrença do americano só serviu para motivar ainda mais o jornalista.
Cinco anos depois, nas instalações da Rádio Difusora de São Paulo, no bairro paulistano do Sumaré, Chatô tirou giz e trena do bolso e definiu as áreas que seriam reformadas para abrigar a primeira emissora da América Latina. A TV Tupi já tinha nome, batizada em homenagem à tradição indígena, que o jornalista admirava. O passo seguinte foi organizar a equipe. A maioria dos artistas veio do rádio e de grupos teatrais. Sem poder gravar e editar as apresentações (o videoteipe seria implantado uma década mais tarde), no início, a televisão emprestaria do teatro a dinâmica do trabalho ao vivo com muita improvisação. A migração de profissionais foi um movimento natural. "Meu contrato especificava que eu era apresentadora da rádio. Quando surgiu a televisão, pegamos o papel e anotamos por cima - e também da TV Tupi", afirma Vida Alves, atriz, redatora e diretora. Com ela, despontaram outros entusiastas da nova mídia. Eram roteiristas e diretores, como Walter George Durst, Walter Foster e José Bonifácio de Oliveira Sobrinho. "Ganhamos um brinquedo e começamos a brincar", dizia o radialista Cassiano Gabus Mendes. Aos 23 anos, ele foi contratado como diretor artístico da emissora e comandou a esperada estreia.
A expectativa era tão grande que ninguém pensou em um detalhe. Algumas semanas antes da inauguração, marcada para 18 de setembro de 1950, o engenheiro Walther Obermüller, diretor da rede americana NBC, veio ao Brasil para acompanhar os acertos finais do projeto. Logo quis saber qual era a quantidade de aparelhos de televisão vendidos para estimar a audiência potencial - a transmissão podia alcançar até 100 km a partir de São Paulo. Atônito, viu a equipe técnica se entreolhar assustada: não é que ninguém havia pensado nisso ainda? "Doutor Assis, o senhor está investindo 5 milhões de dólares na TV Tupi (equivalentes a 82,6 milhões de dólares atuais) e sabe quantas pessoas vão assistir à sua programação a partir do dia 18? Zero. Sim: zero, ninguém", disse o engenheiro ao jornalista, segundo Fernando Morais escreveu em Chatô - O Rei do Brasil. No ato, Chatô quis importar os aparelhos dos EUA. Mesmo em caráter de urgência, os trâmites burocráticos permitiriam que a carga chegasse à cidade só dali a dois meses. Sem se dar por vencido, recorreu ao contrabando para trazer 200 receptores.
E amanhã, companheiros?
Após a cerimônia de estreia, transcorrida na data marcada (veja o quadro), produtores e artistas foram comemorar na Cantina do Romeu, na rua Pamplona. A certa altura dos brindes, Gabus Mendes comentou com os colegas: "E amanhã? Não temos nada para colocar no ar amanhã!" A receita da equipe era, definitivamente, pioneirismo e improvisação. Havia um consenso de que a TV Tupi não possuía funcionários, mas era formada por "companheiros", crença que levava todos a driblar a limitação de dinheiro, a tecnologia incipiente e a inexperiência diante do novo veículo. Uma das primeiras tarefas que tiveram de aprender foi criar e produzir atrações que preenchessem o período das 20 às 23 horas, faixa em que a emissora permanecia no ar em seus primeiros tempos de vida.
Os grandes sucessos não tardaram a chegar. Estão entre eles o humorístico Rancho Alegre, com Mazzaroppi, o Grande Teatro Tupi, de peças televisionadas, o jornalístico Repórter Esso, "testemunha ocular da história", O Céu É o Limite, programa de perguntas e respostas comandado por Aurélio Campos, autor do bordão "Absolutamente certo!", e a TV de Vanguarda, celeiro de atores e diretores (uma série de adaptações de textos clássicos dos mais variados, de Guimarães Rosa a Shakespeare).
As novelas sugiram na sequência, como uma tentativa do diretor Walter Foster de cativar o público feminino. A primeira, Sua Vida Me Pertence (1951), ensaiava um trio amoroso, com o próprio diretor como galã, a atriz Lia de Aguiar no papel da mocinha e Vida Alves interpretando a "outra". Os personagens de Foster e Vida Alves ficariam juntos ao fim da trama, união selada pelo primeiro beijo da televisão nacional. "A novela precisava ter um plus, e foi aí que Foster surgiu com a ideia do beijo. Eu precisei falar com meu marido. Já o Foster ficou com uma tarefa mais difícil: convencer toda a diretoria da emissora", afirma Vida.
Bom, mas havia programas mais comportados também. Em 1952, Gabus Mendes decidiu apostar no público infanto-juvenil e procurou o Teatro Escola de São Paulo, dirigido pelo psiquiatra e educador Júlio Gouveia e por sua mulher, Tatiana Belinky. A dupla começou com Fábulas Animadas, um enorme sucesso de montagem de histórias da literatura universal. Depois, o público exigiu um programa de prosas brasileiras, ao que a dupla atendeu com uma encenação de O Sítio do Picapau Amarelo, de Monteiro Lobato. Ao término da primeira apresentação, os telefones da emissora não paravam de tocar - todos queriam saber quais seriam os capítulos seguintes. Por 13 anos, O Sítio permaneceu no ar na TV Tupi. "Eu escrevia os roteiros e o Júlio dirigia. Escrevia de madrugada porque nos ocupávamos o dia inteiro. Mas era trabalhar entre aspas porque não nos cansávamos: vivíamos uma época de gente agitada, curiosa, que amava o que fazia", diz Tatiana, hoje uma das principais autoras de obras infanto-juvenis do Brasil.
Assim, a emissora indicou caminhos para a produção televisiva brasileira. A rede de Chatô inaugurou também as transmissões em cores no país, a partir de 1972. "Muito da história da TV Tupi é o pioneirismo, movido pelo espírito aventureiro de Assis Chateaubriand. Mas o veículo ganhou corpo bem mais tarde, com a popularização dos aparelhos", diz o jornalista Eugênio Bucci, professor da Escola de Comunicação e Artes da USP. "Hoje, a televisão brasileira é uma das que mais exibem, produzem e exportam programas no mundo. E existe muito conteúdo de qualidade nesse meio."
Contagem regressiva
Os últimos acertos e a estreia de gala da Tupi:
Equipamentos
Os americanos deram cursos sobre como usar os equipamentos. Hélio Tozzi foi um dos primeiros cameramen.
Reta final
Walter Obermüller, da NBC, dirigiu o fim dos testes. Após a estreia, elogiou "a genialidade dos brasileiros malucos".
Pompa
Chatô discursou na solenidade antes das transmissões, apresentando "o mais subversivo de todos os veículos de comunicação do século".
Atraso
A programação especial deveria ir ao ar a partir das 19 horas. Mas uma das três câmeras pifou e o show só começou uma hora depois.
Suspeita
Convidado de honra da festa, o bispo dom Paulo Rolim aspergiu água benta no estúdio. Acredita-se que isso tenha sido a causa da pane numa das câmeras.
Variedade
Sonia Dorce, aos 6 anos, anunciou: "Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil". Seguiram-se shows de dança, humor e música, como o da Grande Orquestra Tupi.
Audiência
Os paulistanos se acotovelaram diante das TVs instaladas no Jockey Clube, nas Lojas Mappin e em outros pontos da cidade.
Luxo
Os receptores eram caríssimos e Chatô distribuiu boa parte do que importou. Até o fim de 1950, o país já tinha mil aparelhos. Hoje são 65 milhões.
Quase balzaquiana
Dívidas, concorrência e má gestão levaram ao fim da Tupi
"Onde houver um receptor de TV, há sempre presente a imagem de um canal Associado" era o slogan da TV Tupi nos anos 1960. Após o début, as emissoras do grupo se espalharam pelo país. A televisão passou a integrar a vida nacional e atrair anunciantes. Alguns anos antes de morrer, em 1968, Chatô optou por dar continuidade aos Diários e Emissoras Associadas por meio de um "condomínio" de administradores: 22 pessoas. As finanças do grupo, que já não iam bem, pioraram. Aos poucos, profissionais e patrocinadores migraram para a concorrência - TV Record (inaugurada em 1953), Globo (1965) e Bandeirantes (1967). Ao longo dos anos 1970, na tela da Tupi ainda brilharam novelas como A Viagem (1976). Em 1980, os atrasos salariais motivaram uma greve de 2 mil funcionários. Não à toa, a trama Como Salvar Meu Casamento era chamada internamente de "Como Salvar Meu Pagamento". Com a crise, o governo Figueiredo não renovou a concessão e, em 18 de julho de 1980, antes dos 30 anos, a Tupi saiu do ar. Equipamentos foram desmontados e lacrados, em meio ao choro de antigos funcionários. Parte das emissoras da rede foi dividida entre os grupos Sílvio Santos, que criou a TVS (depois SBT), em 1981, e Bloch Editores, que fundou a Rede Manchete, em 1983.
Saiba mais
Livros
Chatô - O Rei do Brasil, Fernando Morais, Companhia das Letras, 1994
A trajetória do jornalista e os bastidores da TV Tupi.
TV Tupi - Uma Linda História de Amor, Vida Alves, Imesp, 2008
Disponível em http://aplauso.imprensaoficial.com.br. Saiu na imprensa que o governo iria devolver a concessão do canal para a Rede Tupi. Ela até chegou a voltar uma vez, mas não sei porque motivo ela sumiu de novo . Será que ela vai substituir a Globo? Caso a concessão da emissora seja retirado. Em 1980 a rede Tupi foi cassada pelo governo que na época era de Figueiredo. Ela não apoiou o golpe militar de 1964 , mas as que apoiaram ainda estão no ar. Achei que foi uma covardia tirarem ela do ar. Volta Pioneira! Vejam as imagens:
imagem 01 site:Wikipedia. Org
imagem 2
Site:Brasil cultura.
imagem 3 site:São Paulo antiga.
imagem 4 site:Piletas.blogspot.com